11/12/2007

Vidinha nossa.


Acordou e a primeira coisa que pensou foi fazer um cafezinho e comer, talvez, bolachas de água e sal, com o que tivesse na geladeira. Poderia ir à padaria, mas teve preguiça. Além do mais estava atrasada. Vivia atrasada. Ainda tinha que passar na casa da avó e deixar uma sacola não sei do quê. Que saco.

De tantos atrasos não tinha tempo: tempo pros amigos, tempo para si, tempo para livros, tempo para ouvir música, tempo para ler a revista inteira, tempo pro jornal que e acumulava na sala, tempo para visitar um amigo, tempo para ser feliz.

Então resolveu acender um cigarro e se sentir o máximo. Porque quando a gente fuma, a gente se sente o máximo mesmo. Aliás, por falar nisso, o maço já estava no fim. Logo precisaria ter tempo para passar nalgum boteco e adquirir outro.

Ficou pensando: necessitava baixar músicas, pois estava em “desacerto” com os novos lançamentos. E não queria ficar pra trás, pois os colegas cults não paravam de perguntar se já havia escutado esse ou aquele, lido esse ou aquele, assistido a esse ou aquele. Não sabia o que dizer, estava meio por fora, precisava se atualizar.

Com isso não tinha tempo para ou se esquecia de ligar para sua mãe ao menos uma vez por semana. Apenas quando estava em crise, fosse para “aconselhamentos”, fosse para gritar por socorro de tédio ou porque estava dodói ou ainda porque precisava de grana.

Assim, a vida passou. Nostalgia. A universidade passou, os amigos passaram, a diversão passou e o tempo de cineminha ficou. O marido veio, com ele vieram o carro popular, almoços de domingo, jornada de oito horas diárias, casa nova e pintada e decorada com poltronas únicas na sala, estante, TV 29 polegadas, tapetinho, vasos, quadros e tudo que uma habitação necessita ter. Um luxo.

Daí casaram-se. Que felicidade, uma festança, muitos presentes, muitos parentes e amigos de parentes e musiquinhas bregas e toscas pra gente alucinar na pista do salão do bifê.

Com as alianças no dedo veio a construção familiar, o casamento e o filho, uma graça de Deus, lindo, sem cabelos e com cara de joelho. Um meninão agraciado.

Entretanto, o melhor ainda estava por vir: o meninão do papai logo cresceria e, logo, seria igualzinho aos pais: sem tempo pra nada e vendo a vida passar.

5 comentários:

Samantha Abreu disse...

que delícia...
um "conto" pra animar a festa!
adorei!!!


E olha só.
Hoje estou no Versos de Falópio:
http://versosdefalopio.blogspot.com

Apareça!
um beijo

Rod Brandão disse...

Cara, Uma boa crônica, como aqueles que fazia um bom tempo que não sai dessa sua massa cinzenta. Curti o,lance de ir bem mais pro literário. Sair um pouco do mundo noticioso é o que há. talvez essas crônicas é que nos fazem pensar bem pra construir uma boa matéria...

Abração cara!!!

Anônimo disse...

Isso me dá medo. Me assusta. E essas pessoas também. E o fato de eu, um dia, poder ser uma delas, feliz com meu carro popular (se bem que disso eu duvido um pouco ...).

Bruno Espinoza disse...

flertar com a literartura é sempre bom, pra quem lê e pra quem escreve..gostei!

cara, novo blog linkado, ok?

Outra coisa: que merda o lance da produção do Tom Zé! mancada!
afinal,conseguiu entrevistá-lo?

Abraço, Rafael!
hê!

ps1: muito obrigado por comparecer á banca, cara. Mesmo.

Fernanda Miguel disse...

interessante

olha q sintonia, meu querido co-autor...escrevi ontem, no meu blog, antes de ler o seu, um post desabafo sobre essa maldita efemeridade do tempo...e principalmente a minha falta de competencia pra lidar com isso...

hehehehe

bom texto...

bjos

PS: use verbos mais "leves"...ao inves de adquirir ou necessitava, use comprar e precisava...combina mais com seu estilo ;)