07/11/2007

O Cheiro da VULVA

Está em um site hospedado na Alemanha com o sugestivo nome de http://www.smellmeand.com, o mais novo produto da Vivaeros, empresa que se apresenta como criadora de produtos especiais: fragrância de vulva. É isso mesmo: fragrância de vulva, o que chamamos popularmente, aqui na Bahia, de xibiú, pitrica ou bocó-de-pelo.

Pois não é que um sujeito, um emprendedor alemão, garante ter sintetizado a fragrância da perseguida? Ele vende, em delicados frascos, o Vulva Original, que é como batizou seu produto.

Décio adorava comer. Transcendia um hobby. De muitas maneiras, muitos tipos e achava, ao contrário do que pensam os food-designs, que o essencial numa comida não era o visual, a cara da comida, mas o cheiro. Esse era o cara. Ele adorava saborear o cheiro antes de abrir a boca. Décio adorava comer xoxotas. Mas por causa do cheiro e nada mais. Nada mais.

E talvez por isso gostava de usar perfumes, cujas fragrâncias relacionavam-se com comidas. Uns oito vidros dispostos lado a lado: apenas essências de comidas e temperos.

Um belo dia enchuvarado a notícia da essência da vulva caiu nos seus ouvidos. Inacreditável. Um bem mundial desses, uma essência dos deuses deveria ser mais acessível. Contudo - pensava novamente - se esse era o preço para ter o perfume mais maravilhoso do mundo, então "que assim seja". Começou a fazer rasgadas economias. O objetivo logo estaria próximo.

Pausa para o lanche.
Meses de economias rasgadas depois, o sagrado frasco dos deuses chegou a sua residência. Era como um brinquedo novo de criança.
Já no quarto com as portas trancadas Décio desembalou o frasco e torceu a tampa. Aproximou o nariz e deu uma imensa fungada. Uma tremenda fungada. A imagem e a associação que lhe veio ao sentir aquele cheiro vaginal excêntrico e magnífico foi a lembrança das viagens de ácido, aquelas que libertavam o cérebro e faziam ver o mundo de uma maneira como nunca antes.

Em poucos dias estava viciado. Como uma droga. Sua vida era cheirar. Cheirando, cheirando, cheirando. O cheiro de vulva. Que delícia. Suas punhetas agora tinham cheiro. Maior tesão. Seu banho tinha mais perfume. Sua vida tinha literalmente, mais essência.

Mas, o fator cheiro começou a agravar-se. Sua sobrevivência resumia-se em aspirar o cheiro contido naqueles frascos. Todo o seu dinheiro e apenas um destino: vidros de Vulva Original, o perfume dos deuses. E eram tão demorados. Tinha que ter um esquema de sedex 10, que saco. O fato é que já pensava numa espécie de alcoólatras anônimos: o Vulvas Anônimos. Não tinha coragem para pedir ajuda. Ao invés disso, solicitava outros frascos. A coisa aumentou. Por onde andava carregava um paninho e o frasco. Era como se o oxigênio que respirava fosse agora O2-Vulva.

Como se não bastasse, gotas da essência funcionavam também como amaciantes para roupas, além de perfumarem a gaveta de roupas íntimas.

Sua vida era agora um imenso cheiro de Vulva. Sentia-se, contudo, bem, vivo. Mas não enxergava a dominação e a transformação que a Vulva fizera. Comia sua vida. Justo ela que tanto perfumava. E num piscar de olhos nem imaginou que terminaria como os seus heróis. Morreu de overdose. Overdose de Vulva Original.

Abriram a porta do banheiro, arrombaram-na. Um grito de horror, daqueles de filme de dar medo e a cena:

O corpo estendido ao lado da privada. Um braço sobre o peito, o outro aberto, semi-esticado e a mão espalmada. Os olhos abertos, arregalados, de desejo. E o mais estranho, um frasco vazio próximo, como se tivesse rolado de suas mãos e um bilhete com os dizeres:

“Descansem o meu leito solitário
Na cidade dos homens turva
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
- Foi poeta - sonhou - e cheirou a vulva.”

*A notícia com a qual este texto baseou-se você lê na íntegra aqui.

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