Bocó-de-pêlo em vidro de perfume
Pois não é que um sujeito, um emprendedor alemão, garante ter sintetizado a fragrância da perseguida? Ele vende, em delicados frascos, o Vulva Original, que é como batizou seu produto.
O Cheiro da VULVA
Décio adorava comer. Transcendia um hobby. De muitas maneiras, muitos tipos e achava, ao contrário do que pensam os food-designs, que o essencial numa comida não era o visual, a cara da comida, mas o cheiro. Esse era o cara. Ele adorava saborear o cheiro antes de abrir a boca. Décio adorava comer xoxotas. Mas por causa do cheiro e nada mais. Nada mais. Assim, seu prato predileto era "bacalhoada".
Também por isso gostava de usar perfumes, cujas fragrâncias relacionavam-se com comidas. Uns oito vidros dispostos lado a lado: apenas essências de comidas e temperos.
Um belo dia enchuvarado a notícia da essência da Vulva caiu nos seus ouvidos. Inacreditável. Um bem mundial desses, uma essência dos deuses deveria ser mais acessível. Contudo - pensava novamente - se esse era o preço para ter o perfume mais maravilhoso do mundo, então "que assim seja". Começou a fazer rasgadas economias. O objetivo logo estaria próximo.
Pausa para o lanche.
Meses de economias rasgadas depois, o sagrado frasco dos deuses chegou a sua residência. Era como um brinquedo novo de criança.
Já no quarto com as portas trancadas Décio desembalou o frasco e torceu a tampa. Aproximou o nariz e deu uma imensa fungada. Uma tremenda fungada. A imagem e a associação que lhe veio ao sentir aquele cheiro vaginal excêntrico e magnífico foi a lembrança das viagens de ácido, aquelas que libertavam o cérebro e faziam ver o mundo de uma maneira como nunca antes.
Mas, o fator cheiro começou a agravar-se. Sua sobrevivência resumia-se em aspirar o cheiro contido naqueles frascos. Todo o seu dinheiro e apenas um destino: vidros de Vulva Original, o perfume dos deuses. E eram tão demorados. Tinha que ter um esquema de sedex 10, que saco. O fato é que já pensava numa espécie de alcoólatras anônimos: o Vulvas Anônimos. Não tinha coragem para pedir ajuda. Ao invés disso, solicitava outros frascos. A coisa aumentou. Por onde andava carregava um paninho e o frasco. Era como se o oxigênio que respirava fosse agora O2-Vulva. Do jeitinho que dizia o comercial da Vulva: "breath and enjoy, anytime, anywhere".
Como se não bastasse, gotas da essência funcionavam também como amaciantes para roupas, além de perfumarem a gaveta de roupas íntimas.
Sua vida era agora um imenso cheiro de Vulva. Sentia-se, contudo, bem, vivo. Mas não enxergava a dominação e a transformação que a Vulva fizera. Comia sua vida. Justo ela que tanto perfumava. E num piscar de olhos nem imaginou que terminaria como os seus heróis. Morreu de overdose. Overdose de Vulva Original.
Abriram a porta do banheiro, arrombaram-na. Um grito de horror, daqueles de filme de dar medo e a cena:
O corpo estendido ao lado da privada. Um braço sobre o peito, o outro aberto, semi-esticado e a mão espalmada. Os olhos abertos, arregalados, de desejo. E o mais estranho, um frasco vazio próximo, como se tivesse rolado de suas mãos e um bilhete com os dizeres:
“Descansem o meu leito solitário
Na cidade dos homens turva
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
- Foi poeta - sonhou - e cheirou a vulva.”
*A notícia com a qual este texto baseou-se você lê na íntegra aqui.
Vídeo da VULVA.
3 comentários:
hahaha, mto bom, infame e suave ao mesmo tempo :)
Que coisa! Será que existe mesmo?
História triste essa!
Gabriel, obrigada pela divulgação do weblog. Tentei ouvir o podcast e nada! Você já ouviu o da Roma Dewey? Tem o link lá na coluna lateral do Luz, mas acho que mandei um mail pra você. Mandei não? Falando do lançamento do pod?
Vida longa ao bloguinho!! Beijus
Depois de passar vergonha no laboratório, com pessoas pensando que eu entrei em site pornô, finalmente li o seu texto e achei mto bom!
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