04/05/2009

Palavras ecologicamente corretas

Fui até o site da Carta Maior para ler sobre o homem que usou o nome da Carta para espionar protesto contra governo do RS, de Yeda Crusius do PSDB. Como alguns participantes da manifestação conheciam os jornalistas da Carta, o homem foi pego em flagrante e forografado.

Depois, achei esta sacada genial do Eduardo Galeano, extremamente atual, de substituir palavras por outras ecologicamente corretas, mas que na verdade mascaram pensamentos:


"Na era vitoriana era proibido fazer menção às calças na presença de uma senhorita. Hoje em dia, não fica bem dizer certas coisas perante a opinião pública:

O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado;

O imperialismo se chama globalização;

As vítimas do imperialismo se chamam países em via de desenvolvimento, que é como chamar de meninos aos anões;

O oportunismo se chama pragmatismo;

A traição se chama realismo;

Os pobres se chamam carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos;

A expulsão dos meninos pobres do sistema educativo é conhecida pelo nome de deserção escolar;

O direito do patrão de despedir sem indenização nem explicação se chama flexibilização laboral;

A linguagem oficial reconhece os direitos das mulheres entre os direitos das minorias, como se a metade masculina da humanidade fosse a maioria;
em lugar de ditadura militar, se diz processo.

As torturas são chamadas de constrangimentos ilegais ou também pressões físicas e psicológicas;

Quando os ladrões são de boa família, não são ladrões, são cleoptomaníacos;

O saque dos fundos públicos pelos políticos corruptos atende ao nome de
enriquecimento ilícito;

Chamam-se acidentes os crimes cometidos pelos motoristas de automóveis;

Em vez de cego, se diz deficiente visual;

Um negro é um homem de cor;

Onde se diz longa e penosa enfermidade, deve-se ler câncer ou AIDS;

Mal súbito significa infarto;

Nunca se diz morte, mas desaparecimento físico;

Tampouco são mortos os seres humanos aniquilados nas operações militares: os mortos em batalha são baixas e os civis, que nada têm a ver com o peixe e sempre pagam o pato, danos colaterais;

Em 1995, quando das explosões nucleares da França no Pacífico Sul, o embaixador francês na Nova Zelândia declarou: “Não gosto da palavra bomba. Não são bombas. São artefatos que explodem”;

Chama-se Conviver alguns dos bandos assassinos da Colômbia, que agem sob proteção militar;

Dignidade era o nome de um dos campos de concentração da ditadura chilena e Liberdade o maior presídio da ditadura uruguaia;

Chama-se Paz e Justiça o grupo militar que, em 1997, matou pelas costas quarenta e cinco camponeses, quase todos mulheres e crianças, que rezavam numa igreja do povoado de Acteal, em Chiapas."

(Do livro De pernas pro ar, editora L&PM)
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Se pudesse acrescer algo ao texto do Galeano seria: ditadura militar chamam agora de "ditabranda". Aliás, vc já assinou o manifesto de repúdio ao termo cunhado pela FSP? Não leu sobre a "ditabranda", então leia aqui.

4 comentários:

silvia disse...

O Galeano é um daqueles historiadores do jeito q a gente gosta. Profundo, ácido, irônico, sarcástico, verdadeiro. Usei várias sacadas dele no nosso livro, já que o cara é brilhante quando fala de maniqueísmo nas relações históricas. "O teatro do bem e do mal", já leu?kisscallmelittlecat

pedalante disse...

Olá,

tudo bem?
Obrigado pela citação.
Onde se lê foto do pedalante, leia-se
foto: Panoptico no pedalante.

Adorei a ideía do blog.

Mateus do Amaral disse...

Mano,

Acho que vivemos num contexto de artificialização do mundo, em que as poucas coisas que não sofrem esse processo, como a amizade verdadeira, nos marcam muito profundamente. O que mais me chamou a atenção na sua postagem é que, ao lê-la, percebi que assassinatos, corrupção, individualismo, preconceito, exploração de pessoas, crimes ambientais, tudo de ruim no nosso mundo (que tentam nos traduzir com eufemismos) está relacionado e "faz sentido" dentro de uma lógica perversa que muitas vezes nos afasta de nossa própria humanidade. Aquele abraço!

Mateus do Amaral disse...

Carro usado é semi-novo.

(A linguagem da publicidade cai muito bem quando o objetivo é distorcer, distrair, iludir, enganar. É a o "idioma" oficial desse mundo perverso de que falei outro dia).