06/10/2009

Eu-carnívoro, a carne é fraca, o tráfico e a contradição do ser

Hoje, resolvi ver a parte sangrenta do noticiário. Nada de novo, de novo. Assalto a banco, a carro forte; bala perdida, criança morta, jovem morto; sequestro; arsenal bélico de exército encontrado em posse de pessoas ligadas ao tráfico de drogas. Aí eu fiquei pensando, encabulado. Tem um monte de amigos, lindos, que se ligam em causas sociais, políticas, construindo conteúdo, colaborando localmente em projetos maravilhosos, em debates, alertas, agindo etc. Até na internet.

E têm outros tão lindos quanto, que não comem carne para que, além de usufruir de uma vida mais saudável, o consumo seja reduzido, pois a criação de gado e o avanço agrícola, ligado a soja (o que é pior: visando ao mercado externo) são, de looooonge, os principais causadores do desmatamento no País (na Amazônia há cerca de 4 anos, havia uma média de 35 mil bois e apenas 22 mil pessoas) que continua avançando a níveis mega. Esse boi tratado com hormônios, antibióticos chega ao supermercado por um preço extremamente baixo, porque o custo do desmatamento e dos recursos hídricos desperdiçados, não está contido no valor final do produto "carne". Falando em água, a criação de gado em alta escala consume, manda ralo abaixo quantidades enormes de água potável. Os bichinhos precisam beber água e tomar banho, ficar limpinhos. Justo.

E o que isso tem a ver com o tráfico mesmo?
A encanação, filosofia barata é que vários desses mesmos amigos são caras que ajudam a manter o tráfico, porque consomem, vez ou outra, ou semanalmente, drogas, o principal produto que mantém  a lógica operante do tráfico de drogas, através de práticas criminosas como as citadas no início (pai nosso que estais no céu santificado seja o vosso nome venha a nós o vosso reino seja feita a tua vontade aqui na terra como no céu o pão nosso de cada dia nos dai hoje perdoai as nossas ofenças assim como nós perdoamos a quem nos têm ofendido e não os deixei cair em tentação mas livra-nos do mal, amém), sobretudo em grandes metrópoles, com ramificações interioranas, como sabemos.

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É bem possível que um tipo de revolução hoje aconteça de maneira individual. Pois o consumo, nada mais é do que o seu dinheiro investido no produto final, que carrega um monte de práticas e processos anteriores, cuja responsabilidade e incentivo também são de nossa responsabilidade.

Mas o ser humano é mesmo contraditório. E abrir mão de tudo na vida também não dá, seria desprazeroso demais. E você, o que acha?

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Assisti no fim da semana passada ao documentário "A carne é fraca"; fiquei pensando que ele fosse meio manipulador, mas o que  o vídeo faz é apresentar de maneira organizada e crua a realidade e os dados do processo de confinamento e criação do gado, do frango, do porco. Não sou vegetariano, mas resolvi que não vou mais consumir carne, por hora, pelo menos vermelha. Se o meu pai, ou você me convidar para um churrasco, é provável que - ainda que em pouca quantidade - eu coma carne, pois o consumo já aconteceu. A ideia é o não-consumo e não parar de me alimentar de. Do mesmo jeito que eu não invisto o MEU dinheiro comprando Coca-Cola, também não o farei com carne. Só isso.

Foi através da comunidade DOCUMENTÁRIOTECA que tive contato com "a carne é fraca", com o filme do post anterior e também com outros docs de variados temas, disponíveis no canal. Confere lá.

17 comentários:

Marina. disse...

Eu já pirei MUITO nesse problema da minha incoerência ideológica, mas ainda não foi o suficiente para realmente tomar a atitude. Puts. Que chato!

Unknown disse...

de perto e de longe seu melhor texto.
o que alimenta o tráfico?
- usuário?
os meios, os fins?
as facilidades, a lavagem de dinheiro,
o círculo, ciclo viciante da indústria do voto?
parar de comer carne, diminuir?
tem lógica? a lógica de quem?
ent/ao paremos com coca-cola, mac donalds, andar de ônibus, de carro, sexo...
é isso mesmo?
é esse o meio?

Gabriel Ruiz disse...

@Vanessa,

Olha, é muito tenso essa discussão.
Um amigo, o Bulhões, acabou de dizer que a culpa não é de quem consome, mas do Estado, que proíbe e condena o uso de drogas.

Eu acho que tudo está muito bem linkado, mas que há empresas e instituições mais nocivas que outras, pelas práticas que se utilizam para conseguir um preço mais barato, por exemplo. Por isso, cabe a quem consome verificar aonde irá investir a sua grana. Isso tem a ver um pouco com freeganismo e yomango, práticas desenvolvidas na europa.
Essa entrevista fala sobre:
http://dofundo.noblogs.org/archives/2007/12/

(ela foi feita por mim, mas me plagiaram)

E como eu disse, não dá pra parar com tudo, seria desprazeroso demais. E certas atitudes já ajudam a fazer alguma diferença, nem que seja ideológica. Trata-se contudo de uma postura minha, de acordo com o que eu penso ;)
que não é nem de longe coerente com a vida que levo.

Mas é fato que se a demanda caísse, haveria redução de produção. O grande empecilho a meu ver da indústria da carne é que quem resolve parar de comer carne, por exemplo, precisa ter grana, porque se alimentar de produtos a base de soja custa muito caro.

obg pelo comentário Vanessa e também pelo elogio (:

um beijo.

Unknown disse...

Então Gabriel, eu nem vejo como tensa... eu faço o paralelo com a discussão de legalização da maconha. Pq não legalizam?
melhor, quanto custa a maconha, do cultivo ao produto final?
a soja, é mais cara que a carne que a boi mesmo?
pq o produto final é mais caro?
eu vejo a discussão por essa lado...

Nem eu disse...

Bom, eu tento fazer a minha parte: fazer coleta seletiva, reciclar, nao sujar a rua e jà reduzi bastante a carne que como (mais pelo motivo de que aqui custa muito caro)... sei que ainda é pouco e quero fazer mais, mas nao consigo parar de comer carne. Alèm do meu gosto e hàbito e carnìvoro, eu teria dificuldades justamente com o que vc falou, em consumir soja com alto custo que ela tem...
Mas sempre fui absolutamente contra o consumo de drogas pq enxergo tudo o ele pode movimentar...
Enfim, é tao complicado que a gente se perde na hora de agir...
Otimo texto!
Parabens!
Bjus

stripolias disse...

Obrigada pela visita em meu blog! ;)

sobre a postagem, gostaria de adicionar uma informação que acho mais relevante referente ao consumo da água. Não que os fins justifiquem os meios, mas o contraste é inevitável. Aliás, não conheço uma fazenda sequer que a use para LIMPAR os animais, mas sim para consumo deles mesmo. E grande parte do alto valor da água consumida vem também porque se soma a água utilizada na ração que os alimenta. Enfim, o que eu queria dizer é que esses dias eu vi um documentário sobre uma cidade no interior do Piauí que sofre com a seca. A prefeita, nonsense, usa os dois únicos caminhões-pipa para lavar as calçadas com água potável em vez de a população sedenta e carente de água encanada.
Pelo menos a água gasta nas criações animais não é "desperdiçada".
bj

stripolias disse...

ah.. e mais uma cutucada sobre algumas falácias sobre o vegetarianismo. Nem todo cardápio vegetariano é saudável - carboidratos em excesso é comum entre os que não comem carne. Além disso, algumas proteínas animais não são totalmente substituídas por proteínas vegetais, e sua carência pode provocar anemia ferropriva. Ademais, carnes magras são saudáveis - na medida em que seu bife de frango não seja daquela granja que entuxa o animal de hormônio ;)

Marina. disse...

Em recente entrevista com uma nutricionista, coordenadora do departamento de nutrição da USC descobri que:
O hábito alimentar do barsileiro faz com que ele ingira muito mais proteína do que o necessário para nutrir o corpo.
Um cardápio vegetariano geralmente é mais saudável (falando de gente que realmente se preocupa com o que come) porque para substituir as proteínas da carne é necessário diversificar a alimentação, e com uma alimentação diversificada, o cara acaba suprindo todos os nutrientes que precisa.
Todas as proteínas animais são substituídas por vegetais, o que acontece é que: a carne possui todas as necessárias, e para o vegetariano fazer a substituição ele vai ter que misturar por exemplo o arroz com o feijão e a soja, mas é um grande mito esse lance de "o corpo humano precisa de uma dieta a base da carne"

Gabriel Ruiz disse...

@Gabism

Eu que agradeço a visita e, principalmente, sua manifestação :)

Sobre o cardápio vegetariano, concordo contigo plenamente, mas isso é independente de comer carne ou não. E eu acho que a principal carência de quem decide parar de comer carne é justamente isso que você falou, a proteína do ferro. Mas para quem realmente se preocupa com a alimentação é tranquilo, porque você pode comer mais feijão, espinafre e couve, aliás, três vegetais que adoro.

Minha única discordância é sobre a água. Neste documentário, "A carne é fraca", tem algumas imagens de grandes fazendas produtoras de gado utilizando água para sim, limpar e banhar os animais. Tem um dado lá apresentado o qual o animal em comparação com o vegetal, consome 13 vezes mais água potável em vida. Claro que é relativo, pois o vegetal, por natureza, demanda menos água, porém é relevante se você observar a enorme quantidade de boi que produzimos.
Em dias muito secos também é preciso "refrescar os bichos" porque, como me explicou um tio criador, a pele seca, enruga, fica feia, fazendo com que, na hora da venda, perca-se valor agregado. O consumo de água para esse tipo de produção é realmente alto.

um beijo
e obg por comentar!

Gabriel Ruiz disse...

@lola,

perfeito, muito obrigado pelas informações acrescidas. Esse mito existe mesmo, não raro ele aparece e nós sabemos que toda e qualquer proteína ou nutriente pode ser encontrado na natureza, não apenas na carne.

(lembrando que eu ainda como carne, principalmente de peixe e frango)

obrigado! ;)

Gabriel Ruiz disse...

@ Cris Mereu,

(para quem não sabe a Cris está em Milão!)
também tenho alguns cuidados cotidianos como você, mas por exemplo, no município onde resido (bauru) apenas 5% de todo o lixo vai para a coleta seletiva. Além disso, por aqui abaixaram o preço do alumínio e também do papelão, serviço prestado pelos catadores, heróicamente.

E assim como você, tb não consigo parar de comer carne. Mas só de ter tirado a carne vermelha acabo focando nos vegetais e estou achando ótimo, mais do que eu podia imaginar.

E por cá ainda é muito difícil encontrar alimentos a base de soja depois das 18h, claro, além de serem caros. Mas eu não gosto muito desses alimentos não, refiro-me ao gosto mesmo.

Perfeita sua colocação final, como diria Raul Seixas, "é tanta coisa no menu que eu nem sei o que comer..."

um beijo
e obrigado!!

bruno calixto disse...

olá gabriel, tudo bem?

Peço licença para fazer uma pequena correção: a qtd de habitantes da Amazônia está na casa dos milhões: 24 milhões na última estimativa do ibge, se não me engano, e não 22 mil como vc coloca. É importante frisar isso porque muita gente acha que defender a Amazônia é se preocupar com os animais e as árvores, e esquece que existe uma população imensa lá, 60% vivendo em estado de pobreza.

Sobre o consumo de carne, sou otimista. Acho que a sociedade vai obrigar as empresas da cadeia de produção a fazer as coisas do jeito certo.

um abraço,
bruno calixto, aka planta

Gabriel Ruiz disse...

Claro Bruno, sinta-se a vontade aqui. É um prazer recebê-lo na verdade.
Obrigado pela atualização do dado e pelo comentário relevante :)

Sobre a informação desconexa, como eu disse no texto, não é de agora, mas de 4, 5 anos atrás.

E sobre o consumo da carne, tomara que você esteja certo!!

um abraço e obrigado.

SILVIA disse...

Só tenho uma coisa a dizer:
vc não pode ficar de fora do sistema.
Seja carne ou maconha... CONSUMA!

Gabriel Ruiz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gabriel Ruiz disse...

@Silvia,

pra mim não existe dentro ou fora do sistema, você está inserido nele, querendo ou não; mas pra mim hoje algo é bem claro: há escolhas que você faz a todo momento, cotidianamente. E no momento que vivo, trabalhando com produção de mídia independente musical, coletivos auto-suficientes e etc, um monte de coisas e lógicas de produção perderam sentido. Essas são as minhas escolhas; não sei se isso vai ser pra sempre ou não, nem acredito, nem quero com isso mudar o mundo, mudar alguém, não me importa. Simplesmente, não estou afim de incentivar, com o MEU dinheiro, esse tipo de produção. É uma postura política, só minha. Simples assim.

obrigado por comentar!
um beijo.

Joao ricardo disse...

A violência só está atrelada ao tráfico de drogas porque sua comecialização é proibida e fortemente reprimida. Não faz sentido forçar as pessoas a deixarem de usar substâncias que são usadas centenas de anos por que o Estado as proíbem - ainda mais quando sabemos, também, que a proibição é ideológica e arbitrária.

É como se proíbissem o cigarro e a cerveja nos próximos anos. Quem iria deixar de usa-los? Nada a ver.

E infelizmente, hoje em dia, pra se usar substâncias psicoativas é preciso lançar uso do consumo.