25/05/2009

Sobre a Virada Cultural de Bauru 2009

Cheguei à abertura da Virada atrasado, só deu pra ver meia hora do show do Otto, um desperdício, em meia hora, para quem praticamente desconhecia o pernambucano, não deixou margem para dúvidas: um dos arquitetos contemporâneos da música brasileira.


Otto destacou a jovialidade da cidade, inclusive, a do prefeito Rodrigo Agostinho, arrancando risos de quem estava ali: “Bauru, Bauru... cidade jovem, legal essa cidade, cê viu, até o prefeito é mais jovem do que eu?”.


Otto gostaria que o show continuasse, ele olhava para o lado, onde se localizavam as pessoas da organização, e mantinha um diálogo, pra platéia ouvir: só mais uma é? Mais duas não pode?. Pôde. Amparado pelo seu samba pra Burro, groove/funk/rock-sabe-se-lá-o-que, colocou as pernas e os corpos pra dançar - inclusive aquela hiponga coroa, que sempre aparece nas festas de república e nos eventos culturais, vende seus artesanatos na praça Rui Barbosa, cerra uns cigarros e tal, sabe? - com “malandro que é malandro que é malandro demais”. Agradeceu efusivamente o convite, elogiou a idéia da Virada Cultural e foi-se, deixando seus músicos embalarem uma última vez o público. Mas, Otto voltaria.

Em seguida, uma apresentação bastante comentada por amigos. Não pela qualidade musical, ou novidade, mas pelo efeito “pitoresco” que a banda poderia causar: um cover de Queen. O show mal havia começado e o vocalista, devidamente fantasiado, de óculos escuros estilo Ray Ban e boina, imitando o Fred Mercury, levou um tombo, do nada. Em poucos minutos, a fantasia estava desfeita para dar vez às músicas pesadas do Queen. Mais vestimentas vieram nos clássicos da banda. O show foi bem rápido, coeso e parece ter agradado: para uma banda meio chata como o Queen, um cover foi bem acima do esperado.

A próxima parada seria então o Teatro Municipal, vinte minutos de caminhada que poderia ter sido postergada: a apresentação de dança CorpOuvido foi bem ruim. Vários elementos desconexos, misturados, sem foco, além de (o diferencial do grupo) as câmeras, posicionadas em vários lugares do palco (uma inclusive, bem acima dos dançarinos), terem sido pouco exploradas. Cerca de dez pessoas foram embora antes dos 20 minutos da apresentação. Um fiasco.

Às nove e quarenta, fomos tomar um lanche na Quermesse da Festa da Padroeira, na praça Rui Barbosa, antes do show da Pata de Elefante, as onze. Dois pastéis de pizza depois, retornamos aos assentos da primeira fila. Antes de começar, todos eram unânimes: shows no Teatro Municipal não são ideais, pois só há a opção de ficar sentado; apresentações de rock, menos ainda, porque é preciso fazer vibrar o corpo, dançar, e isso, só se consegue com liberdade corporal.

Fez-se um silêncio total quando a banda entrou. Como o som é instrumental, nenhuma palavra também, apenas um “foi” do Gustavo Telles, o batera. Desceram o braço, arrancaram gritos de “bravo, bravo!” logo de primeira. Só pra ter idéia, em uma das músicas, o Gustavo massacrava o instrumento e o bumbo parecia que iria cair. Um dos holdings então fez mágica: puxou o tapete e o conjunto todo deslizou, de onde tinha saído.

À frente, Gabriel e Daniel se revezaram na guitarra e baixo: não se sabe quem é melhor com o que, que música pode ser melhor que a outra, com cada um empunhando um instrumento e outro. Qual solo ou melodia é capaz de fazer vibrar mais o que no corpo não vê, mas sente. E aí, o fato é que o rock ´n roll que pulsava daqueles acordes e canções agressivas fazia agitar os pés, as mãos no ar, as pernas e, sobretudo, as cabeças, já que só se podia estar sentado. A acústica, entretanto, favorecia bastante o tipo de som da Pata de Elefante. Foi uma catarse, como era de se esperar das comentadas apresentações viscerais da banda. “Eu queria sair correndo, queria explodir, sair correndo e dar um peitão na galera!!”, contou-me uma amiga. Rárárá.

Daniel (à esquerda) empunha o baixo, na primeira metade do show; depois, a guitarra


O trio gaúcho foi-se sem o bis do que seria o melhor show da Virada, já que não vi o Cordel do Fogo, suposto concorrente. Agora, era esperar o próximo show: Cérebro Eletrônico. Ele veio, mas não foi exatamente um show.

O cenário do palco é colorido e enfeitado. Logo nas primeiras músicas há sons de brinquedos, arminhas, espadas com luz e até um extintor de fumaça, misturados aos instrumentos, tipo como o Tom Zé faz. Muito maluco. Mas sem a mesma autenticidade do Tom, embora com resultados interessantes. Mas. Resumindo, o show foi mediano, talvez porque o som da banda seja mediano. Uma e outra música boa, mas nada de super. Um colega (o Emo ou Paulo Roberto, como queiram) comentou que as músicas do primeiro EP do Cérebro Eletrônico são legais, porém, não foram apresentadas. Sinceramente, não consegui “ver” o porque do oitavo lugar da lista da Rolling Stone. Mas listas são sempre subjetivas...

Cérebro Eletrônico, do DJ Tata Aereoplano no palco do Teatro Municipal; entre Cérebro e Jumbo Eletro, a outra banda de Tata, o Jumbo é mais

Outro show ainda aconteceria por ali, o Rudeness, ska-core de Botucatu (SP). O lugar encheu, até porque no Vitória Régia não havia mais atrações. Outro colega (o Satã, ou Luiz Felipe, como queiram 2) contou que até mosh rolou no show. Muita gente de pé, pulando frenéticos, flambando a frente do palco do Teatro Municipal, que ficou pequeno diante do ska-core da Rudeness. Aí sim.

Nós porém, em um comboio de vinte pessoas, inclusive os três gaúchos da Pata de Elefante, já que não tínhamos posses de convites para a Estação Ferroviária (que minguaram antes das 11 horas da manhã do sábado), resolvemos ir mais cedo, buscar um lugar no meio do fervo, aonde aconteceriam os dois últimos eventos da noite: DJ Tudo, devidamente trajado com sua camisa style colorida e chapéu branco, além do DJ Tatá Aeroplano (vocalista do Cérebro Eletrônico).


A Estação Ferroviária é um lugar maravilhoso para qualquer tipo de evento. Ainda há os letreiros de quando ela funcionava. O som estava alto e o primeiro a discotecar, DJ Tudo, rolou coisas variadas, um misto de eletrônico com batidas de batuque (africanos talvez?) e outros dançantes, tipicamente latinos, além de alternar entre um Chico Buarque e algum ritmo carnavalesco, justificando seu codinome. Nada de mais, faltava empolgação minha quem sabe. Muitas pessoas, porém, flambaram bem à frente do DJ, onde as luzes típicas de discotecas piscavam. O Otto se embrenhava no meio, interagindo. Parecia gostar.

Não percebi a troca dos DJs. Só quando começou a rolar rock, um atrás do outro. Em certa hora, os mais pops de bandas consagradas como The Cure (“Boys don´t cry”) e Rollings Stones (“Satisfaction”). Fiquei pensando que é muito fácil discotecar, só é preciso um raso conhecimento musical e um winamp, na boa.

As idas quatro da madruga, o pessoal sacou que era mais econômico buscar cervejas num boteco-padaria próximo a Estação (lá custava 3 reais a lata). Os comerciantes, também sacaram a galera, tratando de enfiar a faca na latinha de cerveja ou em qualquer outro produto...Halls a 2 reais? Tô de boa.

As 5 da matina eu ainda estava lá, esgueirando-me no que tinha restado das pernas. Aí alguém decidiu romper com a festança: impedindo a entrada de quem havia saído, pondo a galera pra fora, desligando o som e apagando as luzes. Mas. Não satisfeitos, os locais continuaram a Virada, numa república. O Otto, descobri mais tarde, foi junto, de fusca creme. A Virada, portanto, não significaram 24 horas de entretenimento cultural, como dizia sua propaganda, acabou antes mesmo do amanhecer, por volta das 5 horas. E, só retornaria as dez da manhã, do domingo.

A mim, não me restavam mais forças, decidi seguir até a feira, onde a Virada terminaria em pastéis de frango com catupiri e mais dois para o desjejum do domingo - a preços justos, pelo menos isso.
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Quem está sempre por aqui pode ter reparado que algumas coisas mudaram, cores, elementos, enfim. Explico. Testando ferramentas para blogs, fiz o NM de cobaia e perdi algumas coisas. Então, decidi mudar alguns elementos ao invés de recolocar tudo novamente.

Falando em Pata de Elefante, publiquei esta reportagem sobre a banda.

E falando em Virada Cultural, saiu no jornal local de Bauru um artigo meu sobre. Porém, ele é parecido com este diário de bordo.

20/05/2009

Onde brilhem os ouvidos nossos

Antes de postar sobre a Virada Cultural de Bauru, gostaria de comentar um disco delicioso, da Fernanda Takai, interpretando músicas que a Nara Leão cantava.



"Onde brilhem os olhos seus", foi lançado no mesmo ano em que o Pato Fu produziu seu último disco, "Daqui pro Futuro", em 2007. A produção esteve a cargo do multi Nelson Motta (que atualmente trabalha no roteiro de um documentário, Noites Tropicais, título de um dos seus livros), foi ele inclusive quem contou, por email, de seu desejo de ver a Fernanda cantando Nara Leão. A idéia calhou e as gravações começaram de maneira caseira, no estúdio do casal Fu, 128 Japs, na ativa desde 2002, de onde surgiram os últimos álbuns do Pato Fu. Com arranjos de John Ulhoa e participação de outro pato, o Lulu Camargo (que toca teclado no Pato Fu), treze canções compõe "Onde brilhem os olhos seus", entre elas Trevo de quatro folhas, trilha da novela "Ciranda de Pedras".

Mas não é por isso que você precisa conhecer este (já) clássico do trio Fernanda/Nelson/Ulhoa e nem porque o disco foi vencedor do reconhecido prêmio da APCA (Associação Paulista dos críticos de arte), de melhor disco de 2007, na categoria música popular, mas simplesmente porque é um trabalho sincero e coeso, doce, leve e delicioso. O disco é como um carinho confortante no ouvido, no melhor clichê "tudo que é bom dura pouco", ele termina rapidamente e dá vontades de ouvir de novo e de novo e de novo...

Para ajudar, disponibilizo o download de "Onde brilhem os olhos seus".

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Há boatos de que o Pato Fu está em estúdio novamente preparando algo ainda para 2009. Enquanto postava, colaborei com o artigo sobre este disco, no Wikipédia. Essa postagem intenta também fazer outra Fernanda ouvir o disco.

Out off topic. Tenho reparado a presença de pessoas ilustres por aqui, entre eles o Mateus, do Estação Querida, a Mayara e também o Mercy Zidane: é muito bom/legal em ter todos vocês aqui.
E tem alguém ainda de Franco da Rocha. Será a Vanessão?


05/05/2009

Gato mia. Miau.


Não voltaria para casa tão cedo, era a única certeza naquele dia acinzentado, clamou aos amigos, dançaria a música que fosse, no inferninho que fosse, com quem quer que fosse, com ela seria melhor, com eles melhor ainda, se divertiria, risadas, passinhos que ninguém entendeu, festejos, convidaria até o garçom solícito e mal pago, igualzinho a todos; comtudo, não se precipite, é um erro proposital, uma tentativa ridícula de ambiguidade, beberia algumas várias pra não fugir ao comum, cumprimentaria os chegados, abraços, tapas, uma risada aberta, sincera para cada outro saudoso que aparecesse...

E, num dia como esses, veja só, ela, ela me apareceu num boteco falando de um livro, de páginas que haviam se transformado num longa de sucesso, que era incrível, eu não podia perder e vários outros ineditismos que as pessoas acrescem quando querem destacar, engrandecer algo que elas mesmas não depositam tanta fé. Mas logo veio aquele clichê barato, aqueles todos na verdade. Que um livro é sempre muito melhor, mais completo e blá-blá-blá-blá.

Dessa vez, porém, não tive coragem de tapar-lhe, apagar-lhe, calar-lhe por completo com a minha boca, poupando assim não apenas as minhas orelhas, mas sobretudo, como diria Rosenfeld, que ela se definhasse na minha frente. Continuou nessas, entre um e outro copo de cerveja. E se foi. Assim mesmo como se deixa voar uma sacola de plástico ao vento. Eu voei junto, imaginando o que poderia ter acontecido depois. Respira-aspira, respira-aspira, no meio de um momento que poderia ser o clímax de outra noite memorável, começou a invadir-me uma tremenda agonia: você olha para o lado e não enxerga conhecido algum para interagir com sua existência que se tornou medíocre neste instante. Olha, percebe as pessoas soltas, rindo à toa, a câmera girando por dentro das luzes coloridas imaginárias que se formaram na sua cabeça, então o equipamento dá um mergulho escancarando aquela sua agonia besta de não saber o que fazer com você mesmo. Mas, felizmente, para alívio da platéia e - não se poderia deixar por menos - para o bem estar do nosso personagem sem nome, a agonia que o tomava como uma matrix modificada desapareceu imediatamente, assim que a fome latiu. Finalmente.

Finalmente, porque o fim se aproxima, isso é triste mas. Este era o momento, seu plano desde as quatro da tarde: passar na feira ou naquele-restaurante-fast-food-que-vende-esfirra-baratinho-mas-que-eu-não-quero-falar-para-não-fazer-propaganda-de-uma-rede-alimentícia-exploradora-de-mão-de-obra-mal-paga-e-no-momento-seguinte-achar-isso-tudo-uma-tolice, seu cérebro supunha devorar dois ou três pastéis de queijo, pizza, frango com catupiri é melhor, esfirra é mais barato e.

Não passaram de planos recortados sob o alto de sua cabeça recostada ao travesseiro, como um gato que era, que adorava-idolatrava-salve-salve o vagar à noite, MIOU. Espreguiçou-se, fez pose magistral e se esticou por ali mesmo, sem maiores esforços.

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04/05/2009

Palavras ecologicamente corretas

Fui até o site da Carta Maior para ler sobre o homem que usou o nome da Carta para espionar protesto contra governo do RS, de Yeda Crusius do PSDB. Como alguns participantes da manifestação conheciam os jornalistas da Carta, o homem foi pego em flagrante e forografado.

Depois, achei esta sacada genial do Eduardo Galeano, extremamente atual, de substituir palavras por outras ecologicamente corretas, mas que na verdade mascaram pensamentos:


"Na era vitoriana era proibido fazer menção às calças na presença de uma senhorita. Hoje em dia, não fica bem dizer certas coisas perante a opinião pública:

O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado;

O imperialismo se chama globalização;

As vítimas do imperialismo se chamam países em via de desenvolvimento, que é como chamar de meninos aos anões;

O oportunismo se chama pragmatismo;

A traição se chama realismo;

Os pobres se chamam carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos;

A expulsão dos meninos pobres do sistema educativo é conhecida pelo nome de deserção escolar;

O direito do patrão de despedir sem indenização nem explicação se chama flexibilização laboral;

A linguagem oficial reconhece os direitos das mulheres entre os direitos das minorias, como se a metade masculina da humanidade fosse a maioria;
em lugar de ditadura militar, se diz processo.

As torturas são chamadas de constrangimentos ilegais ou também pressões físicas e psicológicas;

Quando os ladrões são de boa família, não são ladrões, são cleoptomaníacos;

O saque dos fundos públicos pelos políticos corruptos atende ao nome de
enriquecimento ilícito;

Chamam-se acidentes os crimes cometidos pelos motoristas de automóveis;

Em vez de cego, se diz deficiente visual;

Um negro é um homem de cor;

Onde se diz longa e penosa enfermidade, deve-se ler câncer ou AIDS;

Mal súbito significa infarto;

Nunca se diz morte, mas desaparecimento físico;

Tampouco são mortos os seres humanos aniquilados nas operações militares: os mortos em batalha são baixas e os civis, que nada têm a ver com o peixe e sempre pagam o pato, danos colaterais;

Em 1995, quando das explosões nucleares da França no Pacífico Sul, o embaixador francês na Nova Zelândia declarou: “Não gosto da palavra bomba. Não são bombas. São artefatos que explodem”;

Chama-se Conviver alguns dos bandos assassinos da Colômbia, que agem sob proteção militar;

Dignidade era o nome de um dos campos de concentração da ditadura chilena e Liberdade o maior presídio da ditadura uruguaia;

Chama-se Paz e Justiça o grupo militar que, em 1997, matou pelas costas quarenta e cinco camponeses, quase todos mulheres e crianças, que rezavam numa igreja do povoado de Acteal, em Chiapas."

(Do livro De pernas pro ar, editora L&PM)
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Se pudesse acrescer algo ao texto do Galeano seria: ditadura militar chamam agora de "ditabranda". Aliás, vc já assinou o manifesto de repúdio ao termo cunhado pela FSP? Não leu sobre a "ditabranda", então leia aqui.